Vagas recordações
Quando comecei a despontar para a vida e a observar as coisas que me circundavam, como o mexer das árvores, a passagem de um animal, ou as pessoas que buliam comigo nessa altura certamente ainda usava fraldas, mas a figura do Prof. Antoninho, estava sempre presente porque ele mexia connosco, interceptava as pessoas que se cruzavam com ele com uma saudação ou um conselho, com a sua voz forte e suave aconchegava as crianças, com palavras doces que elas saboreavam, aquele medo do papão e acanhamento, muito característico na altura, depressa era substituído, pelo sorriso e o aproximar. Era uma pessoa católica praticante e Salazarista, quando Salazar vinha a Viana, era costume o povo de todas as aldeias, deslocarem-se à cidade para o receber, As raparigas levavam os seus trajes do Minho, bordados e apetrechados de lantejolas ( Cardielos é uma terra de bordados), as mulheres de mais idade colocavam o lenço Chinó na cabeça, lenços usados só em ocasiões especiais, sempre cuidadosamente guardados nas grandes caixas ou arcas de madeira de castanho, que fazia parte da mobília da sala . A praça da Republica e ruas próximas, ficavam inundadas de gente, nos altifalantes, ouvia-se a voz forte e determinada do Prof. Antoninho, Viva, Salazar – Viva Salazar à mistura com algumas palavras alusivas. Amigo de ajudar gratuitamente, dócil, exigente em disciplina. Lembro-me que junto à entrada do portão havia uma pequena escada de pedra que dava para uma salinha, aí, a meia dúzia de rapazes depois das aulas dava-nos algumas explicações da escola e ensinava-nos latim para nós ajudarmos à missa, naquela altura os nossos pais tinham encargos nas confrarias e nos dias de semana éramos nós que bem cedo íamos tocar o sino e ajudar o sr. Abade Torres à missa, hoje não é preciso puxar pelas cordas, o sino toca na hora pré-seleccionada. Lembro-me que certo dia enquanto ele explicava à malta eu distraidamente, estava completamente absorto das aulas, a pensar que mal saí-se dali, iria para o pega camião, eu explico, antigamente conhecidas como as curvas de Cardielos que ainda hoje se pode ver vestígios, a rapaziada apanhava os camiões cá em baixo e íamos pendurados até acabar a subida, isso era feito repetidas vezes. Voltando às aulas, eu estava com o livro aberto e com lápis de ardósia a mexer em cima do livro sem nexo, como estava ao lado do Professor sobre observação, manda-me um cachaço que eu aninhei e com o lápis, tal foi o balanço, furei a folha do livro. Num ápice como gato assanhado, meti o livro na sacola de pano e pirei-me, como no dia seguinte a gente se encontrava na igreja, obrigava-nos de joelho a pedir perdão a Deus pelas nossas maldades, os nossos pais nunca sabiam de nada, senão as coisas complicavam-se para o nosso lado, a soga dos bois era bem mais indesejável.
O Pai do Pr. Antoninho leccionava, na casa que o Sr. doutor adquiriu, Conhecida como a casa do Professor, o meu sogro tem 92 anos foi dos últimos alunos dele, o meu pai foi dos primeiros alunos do Pr. Antoninho que começou a dar aulas na escola do alto dos Outeiros, hoje é a sede da Associação cultural e recreativa de Cardielos, ele em jeito de saudade falava-me das traquinices, que meu pai fazia no recreio. Conheci as irmãs, Rosinha e Maria das Dores, os pobres que andavam pelas portas, encontravam sempre uma tijela de caldo para matar a fome, tinha um irmão padre capelão no exército, e outro irmão que vivia no sul, eu apenas falei com ele umas duas vezes.
Possivelmente o Sr. Doutor Jorge Pereira não relacionou a pessoa do blogue que escreveu “Por favor não calem as fontes” Mas no dia de Páscoa dei-lhe pessoalmente os parabéns pelo bom gosto e sensibilidade como reconstruiu a Casa do Professor, sacrificando algum conforto de características modernas, para conservar as características verdadeiramente genuínas, de uma casa cheia de história, mesmo no que diz respeito aos jardins e à casa da eira, que dantes estava totalmente cheia de estantes de livros, livros que o Pr. Antoninho nos emprestava.
Como o texto acima se tornou demasiado extenso como comentário, preferi introduzir nesta forma, como blog, pois trata-se de uma personalidade da nossa terra que merece distinção.
De momento só encontrei a foto de cima com muita má qualidade, tirada ao público numa altura em que corria uma peça de teatro, eu estava em cena, a pessoa assinalada é o Professor Antoninho.
Para se divertir com a vaca carregue www.youtube.com/watch